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Viva São João. Nesse inverno façamos uma reflexão sobre as típicas festas juninas de nosso país.

 

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Bandeirinhas, barracas, fogueira, quadrilha e caipiras. Onde encontramos tudo isso? Nas festas juninas ou arraiás de nosso país, claro! Essas festas típicas invadem o inverno brasileiro com cheiros, músicas e cores tradicionais do Nordeste celebrando Santo Antonio ou São João. Elas são um momento muito bacana para nossas crianças entrarem mais em contato com nossa cultura popular- quando podem experimentar comidas típicas como bolo de fubá, cocada e milho verde, além de aprenderem a dançar as tradicionais músicas de forró e o sentido de coletividade.

Quando eu era pequena, esperava ansiosamente por essa época do ano e, especialmente, pela festa junina de minha escola, não só porque era o dia de encerramento das aulas antes das férias de inverno, mas também pelas maravilhosas brincadeiras que experimentávamos no grande dia. Tinha rabo do burro, argolas, boca do palhaço e muito mais. E nós, crianças, participávamos de toda organização da festa o que a tornava ainda mais especial.

As famosas “prendas” eram feitas pelos alunos e a graça não era ganhar o objeto em si, mas participar da brincadeira. As comidas nós levávamos de casa para ajudar na organização da festa, que era feita por toda a comunidade escolar. Doces para meninas e salgados para os meninos era regra. Uma farra! No grande dia todas as turmas se encontravam para brincar junto com suas famílias e as crianças maiores ajudavam os menores nas barracas de brincadeiras. No fim da festa, fazíamos uma grande roda em volta da fogueira para dançar. E nossa volta para casa não era tão cheia de prendas como hoje em dia, mas sim de recordações maravilhosas e, quase, sempre estávamos de chapéu trocado.
Faz um tempo que alguns eventos e relatos sobre festas juninas escolares tem me intrigado e me feito relfetir. Como especialista na área da infância e do consumo tenho ouvido, recorrentemente, reclamações das famílias sobre as extensas listas de prendas para o festejo. Pasmem!  Algumas escolas particulares no eixo Rio- São Paulo tem enviado extensas listas de prendas que têm de alguma forma, incitado competição entre as crianças sobre o que levar no dia sendo os apelos, geralmente, por brindes licenciados.

Outros questionamentos passam pelas festas estarem se tornando grandes produções, chegando até a serem patrocinadas por inúmeras marcas – inclusive de bebidas alcóolicas, como aconteceu numa escola paulistana há uns anos e gerou grande polêmica na imprensa e entre especialistas que trabalham com o consumo precoce de álcool entre jovens alegando que as marcas estavam invadindo o espaço escolar e naturalizando o consumo da bebida por menores.  Deixo aqui essa provocação para refletirmos sobre essas questões contemporâneas.

Mas, calma gente! Nem tudo está perdido já que tenho visto e participado como mãe, professora e amante dos festejos juninos de muitas iniciativas bacanas que resgatam o real e tradicional formato das festas.  Famílias  reunidas em praças públicas têm organizado lindas festas democráticas feitas pelo coletivo onde o brincadeira importa mais que a prenda e o fazer junto impera a começar por pendurar as bandeirinhas e balões.

Que tal procurar então pela sua cidade o som das sanfonas e correr atrás do cheiro do milho verde e da canjica levando as crianças para perto da luz da fogueira? Customizar fantasias dando um toque pessoal a indumentária pode, também, ser bem divertido. Assim como fazer prendas e ensinar as crianças receitas de comidas típicas cozinhando junto com elas para que tenham o prazer de produzir algo com as próprias mãos.  Tenho certeza que os pequenos vão adorar conhecer um pouco mais sobre a cultura de nosso país através do som, comida, roupas e danças típcas que vivenciarem nos arraiás. Viva São João! .

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Criança não trabalha. Criança dá trabalho. Uma breve reflexão sobre 12 de Junho: Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil.

 

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Foto: André Moura

 

“Lápis, caderno, chiclete, pião

Sol, bicicleta, skate, calção

Esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão

 

Bola, pelúcia, merenda, crayon

Banho de rio, banho de mar, pula cela, bombom

Tanque de areia, gnomo, sereia, pirata, baleia, manteiga no pão

 

Giz, merthiolate, band-aid, sabão

Tênis, cadarço, almofada, colchão

Quebra-cabeça, boneca, peteca, botão, pega-pega, papel, papelão

 

Criança não trabalha, criança dá trabalho

Criança não trabalha”  Grupo Palavra Cantada.

Simples e sábias palavras da letra da música do grupo Palavra Cantada https://www.youtube.com/watch?v=ZeByseNNEsk que nos mostrou com leveza e poesia do que realmente as crianças devem estar cercadas nessa peculiar fase da vida que é a infância.  Mas, infelizmente essa não é a realidade que circunda muitas das infâncias brasileiras e ao redor de todo mundo. Muitos são os abusos que assolam as nossas crianças no seu cotidiano e talvez o mais triste, ainda hoje, seja a vigência do trabalho infantil que rouba as horas de brincadeira, convivência e aprendizagem de muitos de nossos pequenos marcando sua saúde física, emocional e também sua trajetória.

Dia de luta

12 de Junho não é somente uma data comercial comemorada no Brasil que homenageia os namorados convocando-os a troca de carinhos e presentes que enchem nossas timelines nas redes sociais com corações e declarações.  Vale lembrarmos que a mesma data é de luta internacional pelo combate ao trabalho infantil e por isso merece nossa atenção e reflexão. Devemos entender Trabalho infantil como toda forma de trabalho exercido por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima legal permitida para o trabalho- conforme a legislação de cada país. Vale destacar que a exploração do trabalho infantil é muito mais comum em países subdesenvolvidos ou considerados emergentes, como o caso do Brasil, onde em regiões mais pobres e isso se deve, principalmente, à necessidade de se compor a renda familiar.

Geralmente o trabalho infantil é proibido por lei e nos casos mais nocivos, considerados pela convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1999, como trabalho escravo, exploração sexual, maus tratos e pornografia de menores são considerados crime com pena de prisão, como no caso do Brasil. De acordo com a legislação de cada país há uma idade mínima para que as crianças comecem a trabalhar. Antes disso as atividades laborais são então consideradas ilegais e, portanto, criminosas.

Legislação Brasileira

Em nosso país o trabalho infantil é proibido legalmente sob qualquer condição para crianças e adolescentes entre zero e 13 anos.  Segundo nossa Constituição Federal de 1988 aos 14 anos já é possível se começar a trabalhar como menor aprendiz e dos 16 aos 18 anos o trabalho é permitido com algumas restrições tais como: as atividades laborais não podem acontecer entre 22 e 5 horas, em condições insalubres ou perigosas e não fazerem parte da lista citada acima das piores formas de trabalho infantil.

Vale destacar que no Brasil, a consolidação das leis de trabalho garante também ao trabalhador adolescente entre 14 e 18 anos, uma série de proteções especiais, detalhadas em seu Capítulo IV (artigos 402 a 441). Entre elas, a proibição do trabalho em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, moral e social, e em horários e locais que não permitam a frequência à escola (artigo 403, § único). A CLT concede, também, ao trabalhador estudante menor de 18 anos, o direito de fazer coincidir suas férias com as férias escolares (artigo 136, § 2º).

Em números

O labor infantil tem sua história confundida com a própria história do trabalho, estando presente nas mais diversas sociedades ao longo dos tempos. Há referências à utilização de crianças e adolescentes no trabalho desde os períodos mais remotos, como aqueles em que o ser humano dependia exclusivamente da agricultura para sobreviver, até os dias atuais, nas mais diversas atividades e com alguns novos formatos e contornos (como é casos na internet)- apesar de sua proibição legal.

Um relatório de 2013 da OIT apontou que 168 milhões de crianças e adolescentes exerciam algum tipo de atividade laboral e que 5 milhões estavam submetidas a trabalhos forçados- inclusive em condições de exploração sexual e de servidão por dívidas. E o mais triste é saber que as atividades mais comuns exercidas por crianças estão na lista das consideradas crimes como aliciamento para o tráfico de drogas, exploração sexual e o próprio trabalho doméstico.

Um pouco de História

Sabe-se que a mão-de-obra infantil participou ativamente no processo de desenvolvimento das antigas civilizações semeando, colhendo e guardando rebanhos. Existem relatos, inclusive, de menores trabalhadores desde os três anos, em minas, olarias e embarcações. Em tempos bíblicos existem referências de exploração de crianças escravas e relatos de famílias judias que ao retornarem do exílio acabavam reduzindo seus filhos a escravos como moeda de troca por alimentos.

Na Europa medieval, documentos comprovam que crianças eram submetidas a péssimas condições de trabalho até na neve, sendo expostas a ferimentos provocados pelo trabalho e como se não bastasse, recebiam maus tratos autorizados pelos próprios pais.

Durante o período da industrialização do trabalho é sabido que nas metalúrgicas e minas de carvão crianças lidavam com o ferro e pesados vagões para o transporte do produto desde os cinco anos de idade e faleciam antes mesmo de chegar aos 25 anos.

Já no período da Revolução Industrial em muitos países as famílias deixaram o ambiente familiar para trabalhar nas fábricas, levando inclusive as crianças e as submetendo a um rígido sistema de produção. E em momentos de crise econômica o emprego infantil até passou a competir com o dos adultos, situação que fez surgir propostas concretas de redução da jornada infantil.

Sobre a relação da história do trabalho infantil no Brasil vale lembrar que desde o início da colonização as crianças negras e indígenas foram incorporadas ao trabalho das fazendas. Mas, a partir do desenvolvimento socioeconômico do país a forma do trabalho infantil mudou e com a chegada da revolução industrial por aqui houve a inclusão da mão-de-obra infantil a custos mais baixos, particularmente na indústria têxtil.

Já no século XX, com o boom da urbanização crianças e adolescentes nas cidades entraram no setor laboral informal, principalmente em oferta de serviços e atividades ilícitas (tráfico de drogas, prostituição, etc.)

Por fim faz-se importante ressaltar que o direito do trabalho nasceu somente com a sociedade industrial já que no período pré-industrial não havia ordenamento jurídico e assim, predominava o regime de escravidão.

Crianças na Web: Entreterimento ou trabalho?

Nos dias de hoje temos assistido impunemente a um tipo de atividade infantil na web com o crescimento dos blogueiros e youtubers mirins, pequenas celebridades que viraram febre na internet e que detém milhões de seguidores em suas páginas nas redes sociais ou em seus canais do youtube. O conteúdo produzido, exposto e compartilhado por essas crianças vai desde merchandising e demonstração de produtos até criações originais como funk ostentação, receitas e dicas de culinária ou aulas de fitness.

O que devemos prestar atenção é que essas crianças e sua capacidade de influenciar pares e criar moda já foram identificadas pelo mercado que os tem abordado com “presentinhos ou brindes” em forma de produtos que acabam sendo anunciados pelas crianças em seus canais. Essa banal e inocente “publicidade” feita e assistida pelas crianças tem passado batido aos olhos de pais e mães, mas preocupado aqueles que trabalham na defesa dos direitos da infância conforme reportagem recente http://www.consumidormoderno.com.br/2016/05/04/youtubers-mirins-trabalho-infantil/

Criança – sujeito de direitos.

Nossa Constituição Federal já previu em seu art 227 que nossas crianças são prioridade absoluta em nosso país. Elas devem ter acesso a todos seus direitos e, principalmente, a vivência de uma infância plena. Não devemos, portanto seguir descumprindo a legislação ao permitir ou apoiar o trabalho infantil.

A infância é o tempo da formação da personalidade, valores e do conhecimento e o trabalho se torna um impeditivo para concretização dessas tarefas – imprescindíveis para o exercício de vida futura cidadã. Façamos valer os direitos de nossas crianças. Diga Não ao trabalho infantil.

Leia também:

Internet, banalidade e infância mercantilizada

Adultizar, erotizar …. vender!

 

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Um ovo, dois ovos, três ovos assim…

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Todo ano é a mesma coisa. Sai de cena o bom velhinho com seu gorro vermelho- incitando nossas crianças a desejar brinquedos e as famílias que Natal sem consumo exagerado não vale a pena -. para entrar o Coelinho. Mas, geralmente entre essas duas datas comemorativas temos o Carnaval que enche não só as vitrines, mas nossas ruas com cor e alegria disseminando cultura popular e alegria. Mas, esse ano algo surpreendente aconteceu… Ovos de chocolate já decoravam prateleiras de supermercado ao redor do país nas quentes férias de janeiro- antecipando a chegada da Páscoa. E por que isso aconteceu? A Páscoa não é uma data fixa de 40 dias depois do Carnaval? O que a trouxe para janeiro? Será que as vendas de fim de ano não renderam bons lucros? Será que as férias escolares foram o motivo? A resposta para o fato será difícil para nós mortais, mas o mercado sabe, com certeza, o exato porquê.

Há tempos a Páscoa deixou de ter um caráter religioso para ser uma época de lucro, principalmente com o público infantil, da mesma forma que já acontece no Natal e no Dia das Crianças. E a cada ano os ovos de Páscoa para esse público estão mais caros e incrementados porque vêm acompanhados de brinquedos maiores e mais atrativos aos olhos da criançada que, muitas vezes, desconhece o real sentido da Páscoa – uma data com significado bem importante para as religiões católica e judaica que remete a renovação e transformação. Sentidos bem distantes do que a mercantilização da data nos oferece nos dias de hoje: o consumo, em excesso, de gordura, açúcar e brindes.

Os túneis de ovos de chocolate nos supermercados eram o anúncio da chegada da Páscoa, mas, hoje, além dos brinquedos que vem com o ovo, as estratégias publicitárias vão além para atrair os olhos de nossos pequenos. Nesta época do ano, comerciais na TV mostram ainda mais brinquedos que são colocados em embalagens de acrílico no formato de ovo para que a criança peça um brinquedo ao invés de um simples chocolate. Sem falar de todos seus personagens favoritos licenciados nas atrativas embalagens dos ovos o que está em total acordo com os dados da pesquisa da Interciense que diz que a publicidade na tv seguida por embalagens e personagens famosos são os três principais fatores de consumo de produtos infantis entre as crianças.

E nesse ano, além de todos esses apelos difíceis de driblar, pelas famílias, nossos conhecidos corredores de ovos ganharam ainda ares de corredores de grandes lojas de brinquedos- setorizados por cores e dividindo os desejos de meninos e meninas em azul e cor de rosa. Estratégia de vendas que vem na contramão de tudo que tem sido discutido sobre diferença de gêneros desde a mais tenra idade. Mas, não é somente pela divisão entre meninos e meninas que os corredores pareciam lojas de brinquedos, mas também pelos tantos brindes que recheiam os ovos– de bonecos licenciados a mini-rádios e gloss labial.

Os brinquedos são, na verdade, objetos simples, como canecas, maletinhas, bonecos pequenos, normalmente feitos de plástico e de pouca durabilidade. Mas, que criança que não vai querer ter mais um super-herói, princesa ou outro personagem favorito em casa? Outra questão importante, apontada por um levantamento do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) de 2010, é que o uso de personagens famosos tende a encarecer o ovo, o que faz com que os pais gastem mais somente para agradar e não frustrar os desejos dos filhos. Isso, num país desigual como o nosso, causa problemas de orçamento, uma vez que os ovos com brindes são anunciados a crianças de todas as classes sociais. E se compararmos o preço de um chocolate de 150 gramas normal com um de ovo a diferença é grande. Um ovo chega a custar cinco, seis, até sete vezes mais. Então, o brinquedo não é brinde, está sendo vendido junto o que poderia se configurar como venda casada.

Vocês podem e devem estar se perguntando sobre qual o grande problema em presentear as crianças, ocasionalmente, com deliciosos ovos de chocolate. Vou então além dos aspectos filosóficos e éticos. A começar pelo simples fato de que, embora ovos de páscoa sejam considerados produtos “sazonais”, consumidos em época específica do ano, o incentivo ao seu consumo exagerado, pelas crianças, para que colecionem brinquedos, é sem dúvida preocupante em um país com índices cada vez mais alarmantes de obesidade infantil. Segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar 2008-2009, conduzida pelo IBGE e lançada em dezembro de 2010, 33,5% da população brasileira entre 5 e 9 anos já está com excesso de peso e 14,3%, obesa. Outro, ainda mais alarmante, revela que, pela primeira vez na história, um número crescente de crianças apresenta problemas de coração, de respiração e diabetes tipo 2, todos relacionados à obesidade. .Esses dados bastariam.

Mas, vou além, lembrando que a prática de dirigir publicidade a um público menor de doze anos fere a legislação vigente principalmente depois da promulgação da Resolução 163 do Conanda – Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes- em Abril de 2014 (que, aliás, aniversaria na Páscoa). A resolução jogou luz na legislação vigente que considerada publicidade abusiva nos termos do artigo 37, parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), além de ofender a proteção integral de que são titulares todas as crianças, segundo o artigo 227 de nossa Constituição Federal. Sem esquecermos que a venda necessária e conjugada de produtos, sem que seja oferecida ao consumidor opção de escolha, é também proibida pelo ordenamento jurídico brasileiro, pois se configura o que chamamos de “venda casada”.

Vale destacarmos que a publicação da norma no ano passado foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação e alvo de intenso debate entre a sociedade civil e parte do mercado publicitário e anunciante. E ganhou ainda mais notoriedade quando o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) escolheu a publicidade infantil como tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em Dezembro passado levando mais de 8 milhões de jovens a se debruçar sobre o tema. Dessa forma podemos dizer que 2014 foi, por um lado, simbólico e vitorioso para a defesa dos direitos das crianças no Brasil mas, infelizmente, o que temos observado na prática, principalmente nesse período de Páscoa é a continuação antiética e ilegal do direcionamento de publicidade a um público indefeso – pela fase peculiar de desenvolvimento na qual se encontra.

Sem dúvida não conseguiremos localizar, no tempo ou no espaço, onde e quando perdemos o sentido da Páscoa e de tantas outras comemorações. Mas, certamente, a mercantilização desta festa tem contribuído para outros problemas de nossa sociedade e para que outros sentidos se percam, fazendo-se necessária e urgente uma reflexão sobre quais valores estamos passando às crianças ao comemorar a Páscoa dessa forma. Pensando nisso vale lembrarmos as famílias que em diferentes lugares do mundo a Páscoa é comemorada de formas distintas e não menos doces. Podemos fazer ovos pintados em casa, comprar de quem produz, além de inventar brincadeiras divertidas como caça aos ovos para que a celebração seja mais sustentável, em família e sem excessos.

Mas, além disso, não temos como deixar de clamar para que 2015 seja o ano da fiscalização da resolução do Conanda e que sociedade civil faça sua parte, denunciando as práticas abusivas de publicidade dirigida às crianças. Um bom exemplo foi o do MIlC – Movimento Infância Livre de Consumismo -na recente campanha de Páscoa em que pede boicote da compra desses produtos estampados nos túneis e também que os consumidores aumentem as reclamações com as empresas procurando o Procon de sua cidade ou outros órgãos competentes como o Idec, Ministério Público Federal e o Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana. Nessa Páscoa, quando a Resolução do Conanda faz aniversário de 1 ano, pode ser um bom momento para que um novo paradigma na efetivação dos direitos das crianças seja, de fato, alcançado e devidamente comemorado por todos nós. Que venha um ano mais doce para nossas crianças.

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De meninas a mulheres num click!

Reflexões e preocupações sobre a erotização precoce

Acabo de ver o recente edital da revista Vogue Kids de Setembro de 2014 e fico estarrecida com as imagens veiculadas por essa mídia- que fala diretamente com o público infantil ditando as últimas tendências de moda para crianças. As imagens rompem com o limiar, já bastante tênue nos dias de hoje, entre meninas e mulheres. O ensaio fotográfico da revista traz outras fotos de meninas entre 7 e 9 anos em poses mais do que sensuais, tirando a camiseta, fazendo caras e bocas em frente às câmeras e para vender o quê? Roupas?!

Qual menina nunca experimentou o salto alto da mãe ou se borrou com o batom vermelho da irmã da mais velha? Vocês dirão… Brincar de faz de conta com roupas do universo adulto e experimentar trejeitos maduros é importante para o desenvolvimento e faz parte do exercício de comportamentos futuros através da brincadeira, mas o que vemos nessas fotos está longe de ser brincadeira – até porque a intenção das fotos nada mais é do que chamar atenção das crianças para compra dos produtos- o que por si só já ataca a vulnerabilidade infantil no que tange os apelos de consumo posto que a maioria das crianças ainda não têm a capacidade crítica formada e a abstração de pensamento necessária para lidar com esses apelos sedutores como nós adultos. Sem falar das consequências emocionais que imagens como essas provocam no imaginário feminino infantil já que as pequenas moças crescem sendo doutrinadas e acreditando que uma roupa sensual ou uma pose erótica serão peças fundamentais para a expressão de sua identidade e aceitação social e expressão de sua identidade.

Num país como o nosso que apontou dados extremos como 1.820 pontos de exploração sexual infantil nas rodovias federais, 241 rotas de tráfico de crianças e adolescentes para fins de exploração sexual, 13.472 denúncias de pornografia infantil na internet apenas no primeiro semestre de 2010 e 3.600 denúncias telefônicas de abuso e exploração sexual infanto-juvenil no mesmo período é muito complicado convidar nossas meninas a uma erotização precoce. Sem esquecer, claro, os dados recentes da pesquisa da WCF- World Childhood Foudation – que mostram que 65% das meninas exploradas sexualmente declararam usar o dinheiro da exploração sexual para comprar celular, tênis ou roupas que demonstra que a violência sexual infantil é, sem dúvida, uma questão delicada no país e que já não se restringe mais a bolsões de pobreza se manifestando de diversas formas, pois a vulnerabilidade econômica não é mais o grande fator a despertar esse tipo de violência dividindo a cena com apelos de consumo principalmente de moda e itens de indumentária.

Diante desses dados acima citados acho que não nos restam dúvidas de que essas imagens são uma violação dos direitos de nossas crianças e principalmente do direito que têm de ter infância – uma fase essencial de desenvolvimento físico e cognitivo. Meninas não devem sofrer o convite a se tornarem mulheres antes do tempo porque não estão preparadas para os olhares adultos que receberão de outros e o mercado tem o dever e a responsabilidade compartilhada de um olhar mais sensível, ético e cuidadoso para nossas crianças- prioridade absoluta em nosso país como prevê nossa Constituição Federal.

Não é de hoje, portanto que fatos como esse chamam atenção da sociedade civil e de profissionais que trabalham na luta pelos direitos das crianças. Em 2008 o Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana denunciou a marca de roupas infantis Lilica Ripilica da empresa Marisol pela veiculação de outdoor na cidade de Londrina com uma foto nitidamente de erotização precoce.

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Mas, depois de muitas idas e vindas uma nova representação foi endereçada ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina (onde se localiza a sede da empresa) que após analisar o caso celebrou em 2.3.2009 um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Marisol S.A., no qual a empresa ficou comprometida a não mais veicular publicidade com imagens de crianças tais quais na denúncia apresentada e também a pagar uma multa compensatória ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina no valor de RS 20.000,00 o que demonstra que se denunciarmos ou fizermos a pressão necessária os abusos começam a ser coibidos. Podemos começar a mudar essa realidade ou pelo menos incomodar o mercado tanto quanto nos incomodam essas imagens. Façamos nossa parte! E um bom início é denunciar. Conheça o Projeto Prioridade Absoluta do instituto Alana www.prioridadeabsoluta.org.br

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Quanto sinto que nada sei…

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Foto: André Moura

Reflexões sobre o documentário Quando sinto que já sei.

 

“Hey Teachers leave the kids alone” já bem dizia Pink Floyd na letra de Another Brick in the wall faz tempo … O fato é que esse tema está quente nos dias de hoje já que vivemos num momento onde as crianças e jovens na era da tecnologia, informação e consumo parecem prescindir da escola e que alguns pais contemporâneos tem optado, inclusive, por um processo alternativo de desescolarização. Mas, qual será então a real função da escola? E qual papel do professor? Ensinar conteúdos ou simplesmente mediar a aprendizagem? Essas perguntas difíceis e urgentes merecem nossa reflexão.
Essa semana fui assistir ao novo documentário Quando sinto que já sei de Antonio Lovato e Raul Perez, produzido por crowdfunding -no qual contribui pelo engajamento com o tema, que relata sete experiências distintas e alternativas em Educação no Brasil trazendo temas como salas de aula sem paredes, escolas sem divisão de faixas etárias e alunos decidindo o que vão aprender de forma democrática. Muito mais do que suscitar o debate sobre educação no Brasil hoje e qual papel da escola na formação de nossas crianças e jovens contemporâneos, o filme nos faz pensar sobre a vida e principalmente sobre a relação que nós adultos estabelecemos com o mundo, a aprendizagem e a infância nos dias de hoje.
Faz algum tempo que trabalho com a sensibilização educadores sobre o tema da criança e do consumo e sempre inicio minha fala com a definição de palavras como: Escola (schola do latim) que signifca lazer. Educar (educare do latim) que significa conduzir para fora. Brincar (vinculum do latim) que significa laço ou união e Infância (infale do latim) que significa aquele que não tem voz e quando os educadores se deparam com a definição desses termos tão corriqueiros no dia a dia da educação param para pensar e se emocionam. Emocionam-se porque se dão conta de que, muitas vezes, nas escolas de hoje as crianças tem sim voz, mas não tem escuta. Brincam, mas não formam vínculos e laços. São educadas ou robotizadas, mas não conduzidas para fora e a escolas quase nunca são espaços de lazer e alegria, mas de lições e tarefas a serem cumpridas. Constatar isso já é, sem dúvida, o início da transformação, mas o que será que precisamos para ir além? Para buscar de fato a transformação pela educação?
Acredito que primeiro de tudo devemos entender que educar é um ato político o que nos leva ao entendimento de que a educação não deveria ser para cidadania e sim na cidadania, ou seja, a educação/ aprendizagem deveria acontecer na relação, no vínculo do professor com aluno (e dos pais com seus filhos), que o conduzirá num processo de autoconhecimento baseado em respeito, acolhimento e liberdade para que esse ser consiga no seu tempo, na integração com a cidade e comunidade tanto aprender quanto ensinar. Educar deveria ser, segundo minha querida orientadora de mestrado Monique Augras e de quem comungo ideias, fomentar no aluno o surgimento da consciência crítica, fornecendo-lhes ferramentas para que possa avaliar, ele próprio, os caminhos que se abrem para construir algo na vida que valha a pena. Difícil, não? Não somente para educadores como para pais contemporâneos que experimentam um momento de desencantamento onde parece que poucas coisas na vida tem valido a pena.
Educar é, sem dúvida, fazer escolhas e isso é inclusive colocado num dos depoimentos do filme, mas eu iria além já que, aos meus olhos, a árdua tarefa de educar não deveria envolver qual caminho seguir, mas sim desenhar novos caminhos junto, em comunhão. E é ai que está a chave da questão. Não dá para educar sem se relacionar, sem se afetar- seja com o aluno, o filho ou o objeto de estudo. Para educar e aprender é preciso coragem (do latim agir com coração) e é isso que tem nos faltado nesses tempos duros, pouco humanos e materialistas.
Não existe aprendizagem sem relação e não existe relação sem afeto. O papel do educador e da escola- como segundo espaço de socialização e exercício da cidadania depois da família- deveria ser então o de reencantamento do mundo porque só assim será possível formarmos cidadãos mais críticos. A saída é a educação pela estética, pelo sentir em comum. A educação que respeita o aluno como um ser que sente, que se afeta, tem vontades, tem um tempo e uma expressão única e que na relação com o professor nos mostra a cada pergunta, a cada conflito, a cada encantamento o quanto nada sabemos…

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Sobre o brincar, as brincadeiras e sua importância para a infância

 

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Foto: André Moura

 

É no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança e o adulto fruem sua liberdade de criação” (Winnicott)

 

 

Caixa de sapato, avião, amarelinha, pega-pega, corda, pião. Todos lembramos de nossas brincadeiras infantis. Elas fizeram parte de nossa formação social, intelectual e afetiva.  Através de nossas brincadeiras nos socializamos, nos definimos e introjetamos muitos dos hábitos culturais da vida adulta. Todos brincamos na infância e carregamos, ainda vivas dentro de nós, muitas de nossas brincadeiras infantis.

Com o passar do tempo o brincar cedeu lugar a outras atividades que nos afastaram do exercício da criatividade e da liberdade de expressão. No mundo em que vivemos as relações afetivas são permeadas pela lógica consumista e o brincar, como atividade predominantemente lúdica e espontânea, saiu de cena. Piratas e bailarinas, vivenciados dentro da imaginação de cada um de nós, se transformaram em super- heróis e princesas hollywodianas.

No último fim de semana de maio comemora-se o brincar. A data é um convite ao exercício da espontaneidade e da imaginação. Um convite ao resgate da criança que existe em cada um de nós por fomentar o brincar como atividade livre entre adultos e crianças.

Desde o nascimento as crianças brincam, sendo o seu próprio corpo o objeto primeiro de investimento nas suas brincadeiras. Através de atividades lúdicas as crianças iniciam sua integração social, aprendendo não só a conviver com os outros, mas também a situar-se no mundo que as cercam. As crianças se expressam e se realizam através de suas brincadeiras. Ao brincar elas desenvolvem seu lado emocional e afetivo bem como muitas aptidões cognitivas. Suas brincadeiras são como nossas palavras. Elas revelam e escondem muito da singularidade daqueles que brincam. Mais do que um passatempo o brincar é uma forma de comunicação das crianças com seus pares e com adultos.

Através do faz-de-conta as crianças também elaboram situações vividas que lhes foram excessivas. Usando sua criatividade as crianças podem mudar o final de uma história que não foi fácil suportar, além de, sem culpa, descarregar nos objetos de suas brincadeiras sentimentos de angústia e agressividade que lhe provocaram objetos reais.

O brincar é o espaço não só da criação como da elaboração de conflitos. É o espaço propício às fantasias, onde fadas podem fazer visitas, caixas de sapatos se transformam em castelos e sapos viram príncipes.

Lembrando Walter Benjamin quem confere significado ao brinquedo é o ato de brincar. Fato que se encontra distante da realidade atual onde os brinquedos parecem já sair prontos das fábricas, basta se apertar um botão e pronto! A brincadeira começou. A contradição atual está no fato de que o brinquedo produzido pela imaginação infantil é fruto de um processo criativo; é produzido de dentro para fora o que coloca a criança no papel de autora. Já os brinquedos industrializados vêm de fora para dentro preenchendo um desejo. Ele impõe padrões e dita às regras do jogo.

Sabemos que nos dias de hoje fica difícil fugir dos padrões fabricados pela sociedade de consumo, porém fica clara a urgência de reconhecermos que tanto crianças quanto adultos precisam romper com as brincadeiras dominantes para que possam se vestir com as fantasias que desejarem num movimento de libertação e transformação dos padrões consumistas vigentes.

No último final de semana de Maio faço-nos esse convite a experimentar o brincar livre e espontâneo e a conhecer o belo trabalho da querida amiga Renata Meirelles em parceria com o Instituto Alana http://www.territoriodobrincar.com.br 

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Coelhinho da Páscoa o que trazes para mim?

 

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Sobre chocolates, brindes, publicidade e crianças…

Todo ano é a mesma coisa… Túneis de ovos de chocolate, coloridos e repletos de brindes, enchendo os supermercados e os olhos da criançada nos anunciam que a Páscoa se aproxima. São tantos brindes e dos mais variados tipos que vão desde bonecos licenciados até mini rádios e gloss labial recheando os ovos de chocolate que fica difícil, ou quase impossível para os pais sozinhos, driblar os apelos e pedidos das crianças nessa época, além de tentar explicar o porquê não devemos comer tanto chocolate ou simplesmente não escolher um ovo somente para ganhar um brinde.

E mais difícil ainda talvez seja resgatar o principal sentido dessa data comemorativa e religiosa que tem seu significado, na religião católica e judaica, atrelado ao sentido de renovação e transformação.  Sendo, inclusive, por isso que nosso amigo de olhos vermelhos e pelos branquinhos nos oferece ovos nessa data, pois esses significam início de uma nova vida, recomeço. Sentidos bem distantes do que a mercantilização da data nos oferece nos dias de hoje que fala somente em excesso de consumo de gordura, de açúcar e de brindes.

Sem dúvida não conseguimos localizar no tempo ou espaço onde e quando foi que perdemos o sentido dessa e de tantas outras comemorações. Mas, de toda forma a demasiada mercantilização desta festa contribui, certamente, para outros problemas de nossa sociedade como veremos adiante e para que outros sentidos se percam fazendo-se necessária e urgente uma reflexão sobre quais valores e sentidos estamos passando à nossas crianças ao se comemorar a Páscoa dessa forma.

Agora tenho certeza que vocês devem estar se perguntando onde está o grande problema em presentear as crianças, ocasionalmente, com deliciosos ovos de chocolate. E para responder a complexa questão vou além dos aspectos filosóficos e éticos a começar pelo simples fato de que, embora ovos de páscoa sejam considerados produtos “sazonais”, ou seja, consumidos em uma época muito específica do ano, o incentivo ao seu consumo excessivo por crianças, a partir do estímulo para que colecionem os brinquedos, em um país como o nosso que apresenta índices cada vez mais alarmantes de obesidade infantil é, sem dúvida, preocupante. Segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar 2008-2009 conduzida pelo IBGE e lançada em dezembro de 2010, 33,5% da população brasileira entre 5 e 9 anos já está com excesso de peso e 14,3% obesa. Esse dado já bastaria. Ou outro ainda mais alarmante que diz ser essa a primeira vez na história, quando há um número crescente de crianças com problemas de adultos – de coração, de respiração e diabetes do tipo 2 –, todos relacionados à obesidade.

Mas, além disso, vale-nos lembrar das questões legais envolvidas na discussão. Direcionar publicidade às crianças, de qualquer espécie, mas principalmente de alimentos não saudáveis é uma prática ilegal na medida em que se constitui como publicidade abusiva nos termos do artigo 37 parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) apoiado pela nova resolução aprovada nesse mês pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) ,além de ofender a proteção integral de que são titulares todas as crianças segundo art 227 de nossa Constituição Federal.

E não se pode esquecer do fato de que a venda necessária e conjugada de produtos, sem que seja oferecido ao consumidor opção de escolha, é também proibido pelo ordenamento brasileiro, pois se configura o que chamamos de “venda casada”. E não é exatamente isso o que ocorre com os ovos de páscoa com brinquedos? A verdadeira razão da compra dos ovos ou do pedido aos pais para que comprem ovos com brinquedos está justamente no desejo de ter os brinquedos que são ofertados dentro dos ovos! Ou seja, é impossível obter os brinquedos sem ter os ovos.

Outra questão importante de ser colocada que foi apontada por um levantamento do IDEC de 2010 (Instituto de Desefa do Consumidor) é que o uso de personagens famosos tende a encarecer o ovo o que faz com que pais gastem mais somente para agradar e não frustrar os desejos dos filhos e isso, num país desigual como o nosso, causa problemas de orçamento uma vez que os ovos com brindes são anunciados a crianças de todas as classes sociais incluindo aquelas sem poder aquisitivo para a compra dos ovos com brindes. E para fechar vale destacar também que esse mesmo levantamento do Idec detectou que na rotulagem das embalagens dos ovos constam apenas as informações nutricionais obrigatórias de referência para um adulto (2000 kcal). Ou seja, em nenhum dos produtos pesquisados havia dados sobre o consumo infantil o que torna ainda mais difícil aos pais saber quais quantidades adequadas de consumo daquele alimento por crianças. Talvez agora já tenhamos respostas suficientes de onde está o problema de se ofertar ovos de chocolate com brindes as crianças na Páscoa.

Mas, essas questões não tem passado despercebidas por organizações da sociedade civil. Um exemplo disso é quepreocupados com esta situação, que vem se agravando a cada ano, o Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana denunciou desde 2008 ao Ministério Público de São Paulo, esses exemplos de práticas abusivas de quatro grandes empresas produtoras e comercializadoras de ovos de páscoa: Nestlé, Top Cau, Kraft Foods e Garoto chamando atenção da sociedade para que novos abusos deixassem de existir. Além desse exemplo temos outras lutas sendo travadas no país em diferentes esferas. Nas famílias. Nas escolas. Nos poderes do Estado. Um bom exemplo que não pode faltar foi o lançamento do documentário “Muito Além do Peso” em 2012 da cineasta Estela Renner que trouxe em forma de denúncia imagens chocantes da obesidade infantil no país com uma crítica contundente a indústria alimentícia e a publicidade de alimentos não saudáveis dirigida as crianças.

Mas, apesar das grandes lutas derrotas também vem se se acumulando e merecem destaque. No final de janeiro de 2013, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), vetou a lei que restringia a publicidade de produtos alimentícios para crianças. Pelo texto, aprovado pela Assembleia Legislativa em dezembro do ano anterior, se tornaria proibido veicular anúncios de alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio, entre as 6h e as 21h, no rádio e na TV. Também seria vetado o uso de celebridades ou personagens infantis na venda de alimentos, assim como o uso de brindes promocionais, como os vendidos com sanduíches em redes de fast food  ou em ovos de Páscoa. E em fevereiro do mesmo ano, infelizmente outra derrota: a suspensão da Resolução 24 (RDC 24), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que obrigava os fabricantes a colocar o alerta nos produtos de que o consumo em excesso poderia causar problemas de saúde como diabetes, hipertensão e obesidade. Esses exemplos nos servem para se ter uma ideia do tamanho do problema da força do lobby da indústria alimentícia assim como da publicidade de alimentos dirigida as crianças. Por esses e outro motivos é que a Páscoa poderia e deveria ser uma data de fato para celebrar renovação e transformação.

Sabe-se que a Páscoa é bastante celebrada ao redor do mundo todo, só que nem todas as pessoas festejam a data da mesma maneira como nós – com ovos de chocolate recheados de brindes de personagens famosos licenciados que convidam nossas crianças ao consumo em excesso. Que tal então renovar suas ideias e pedidos para essa Páscoa e comemorar a data de uma forma diferente com menos brindes e quem sabe mais brincadeiras? Boas ideias no repertório do brincar existem para se experimentar e podem ir desde corrida do ovo, coelhinho na toca, pintura de casca da ovos e muito mais que nossa imaginação ditar. Fica a dica! Porém, o mais importante talvez seja exercer nossa cidadania e cobrar das empresas que façam valer a nova resolução do Conanda exposta acima que entende abusiva e, portanto ilegal o direcionamento de publicidade ao público menor de 12 anos.

 

 

 

 

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04.04.14: Um dia histórico para os direitos das crianças no Brasil.

 

Foto: André Moura

Foto: André Moura

Acaba de sair no Diário Oficial o texto aprovado de forma unânime pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), composto por entidades da sociedade civil e ministérios do governo federal, que diz que “a prática do direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica à criança com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço” é abusiva e, portanto, ilegal segundo o Código de Defesa do Consumidor.Para o Conanda, a publicidade infantil fere o que está previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código de Defesa do Consumidor.

Essa foi uma conquista histórica para os direitos da criança no Brasil já que publicidade infantil não tinha limites claros e específicos. Agora, com o fim dessa prática antiética e abusiva, alcançamos um novo paradigma para a proteção da criança brasileira que passa a partir de hoje a não poder ser mais alvo de comunicação de mercado pela nova resolução de numero 163 que proíbe o direcionamento de anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio, banners e sites, embalagens, promoções, merchadisings, ações em shows e apresentações e nos pontos de venda focados nas crianças.

Vale destacar que o texto versa também sobre a proibição de qualquer publicidade e comunicação mercadológica no interior de creches e escolas de educação infantil e fundamental, inclusive nos uniformes escolares e materiais didáticos.

Agora cabe a nós , sociedade civil, fiscalizar se o mercado vai fazer valer a resolução e encarar o 04.04.2014 como uma data que merece ser lembrada e celebrada em nome de tod@s as crianças desse nosso país.

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A criança, o consumidor e seus direitos.

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15 de Março: Dia Internacional dos Direitos do Consumidor. Nessa mesma data, em 1962, John F. Kennedy, o então presidente dos EUA enviou uma mensagem ao Congresso norte-americano chamando atenção da sociedade e dos cidadãos para seus direitos de consumidor como direito de escolha e informação frente aos produtos, proteção contra propagandas e embalagens fraudulentas e o direito de ser ouvido. A comemoração da data, porém, se deu somente em 1983, após a ONU ter reconhecido os direitos dos consumidores.

Já no Brasil, o Código de Defesa do Consumidor, um dos mais completos do mundo, entrou em vigência em 1990, dois anos após a promulgação de nossa Constituição Federal como uma resposta do poder público aos anseios da sociedade civil em relação aos avanços desgovernados da atual sociedade de consumo. Fato curioso é que foi também nos anos 1990 que muitos autores dataram a crise conceitual da infância, pois foi quando a criança perdeu seu anonimato e ganhou destaque, principalmente do mercado, que passou a não enxergá-la mais como filha do cliente e sim como consumidora final, além de alguém com forte influência sobre os amigos e a família. Há pesquisas que apontam as crianças como “promotoras” de venda dentro de casa, chegando a influenciar 80% dos processos decisórios das compras da família.

Foi nesse contexto que a publicidade dirigida às crianças entrou em cena com grande força e passou a endereçar ao público infantil mensagens de apelo ao consumo, que se aproveitam da sua vulnerabilidade para vender, tornando-a a principal influência de compras dos produtos infantis à frente das embalagens e personagens famosos. Porém a publicidade hoje não endereça às crianças somente mensagens de produtos infantis, mas também de objetos do universo adulto, roubando-lhes a infância – fase essencial de desenvolvimento psíquico, afetivo e cognitivo. Atualmente se vendem carros e seguros de vida para crianças porque se sabe que quanto mais cedo você fideliza uma criança a uma marca, maiores são as chances de ela ser fiel a mesma do berço ao túmulo.

Cabe-nos a pergunta: como pode uma criança exercer relações de consumo ou ser alvo de mensagens que necessitam de uma compreensão crítica e de uma abstração de pensamento em que a maioria das crianças de até 12 anos ainda não tem formada? Talvez tenha sido por isso que o próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 37, previu proteger as crianças contra toda publicidade enganosa ou abusiva. Porém não se pode negar que a criança será, em função do tempo em que vivemos, uma consumidora no futuro logo – além de protegê-la legalmente da comunicação mercadológica que lhes é dirigida, precisamos prepará-la para que seja uma cidadã e consumidora responsável. Devemos promover o direito à educação para o consumo consciente, assim como salvaguardar nossas crianças de sua vulnerabilidade frente aos apelos de consumo.

Na semana do dia dos direitos do consumidor faço-nos o convite para pensarmos nos direitos de nossas crianças. Direito de escolha e de proteção frente à comunicação mercadológica que as convida ao ingresso precoce no mundo adulto de consumo. As crianças podem reinventar as relações de consumo para que sejam mais sustentáveis e éticas. Tudo depende de atuação conjunta nas frentes da regulação e educação. Nossas crianças, prioridade absoluta em nosso país, precisam ser ouvidas em seus direitos e o principal deles é o de ter infância. Não façamos o convite para que nossas crianças cresçam antes do tempo.

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Adaptação escolar para pais ou crianças?

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Foto: André Moura

 

Uma reflexão sobre os sentimentos no período da adaptação escolar de nossos filhos.

É sabido que o ser humano tem uma capacidade inesgotável de se adaptar, sobretudo nas situações mais adversas em suas vidas. Mas, vivenciar de perto e sem sofrimento a primeira adaptação escolar de nossos pequenos não é tarefa fácil ou sem culpa – seja quando esses são bebês ainda menores de seis meses e precisam ir para creches para que suas mães voltem a rotina de trabalho ou até mesmo com crianças já no ensino fundamental que os pais decidiram mudar de escola. O ingresso num novo ambiente escolar cheio de estímulos e desafios, chamado por muitos especialistas de segundo espaço de socialização da criança depois da família, é uma experiência que traz sentimentos ambíguos nos pais e nas crianças. E é por isso que muitas escolas chegam a dizer que a adaptação escolar é para os pais e não para as crianças. Colocação que tendo a discordar. A adaptação é, aos meus olhos, para todos: pais- que revivem ali sua experiência escolar, crianças- que precisam se sentir segura para vincular e a própria escola em relação àquela nova família e a criança que estão recebendo, mas, ainda desconhecem.

Desde a segunda semana de fevereiro tenho experimentado, pela primeira vez no outro lado, o papel de mãe adaptando a filha de 2 anos e confesso que não tem sido fácil para ninguém, mesmo com todo apoio e carinho que temos recebido da instituição. Apesar de já ter passado por inúmeras adaptações nos 9 anos em que fui professora pré escolar não estava preparada para minha hora de dizer tchau. Pasmem! A decisão, o momento ideal e escolha da escola estão super acertadas dentro de mim. Visitei inúmeras escolas, fiz uma escolha que não funcionou um ano antes e voltei atrás, esperei até os 1000 dias completos da pequena para esse momento. Compramos uniforme, conversamos sobre esse novo espaço, vimos filmes que mostravam crianças nas escolas, preparamos o lanche a ser levado, mas na hora H o coração aperta ao ver aquele ser tão pequeninho e que protegemos e amamos tanto com olhos desconfiados agarrados em nosso colo. Apesar de termos a certeza que eles irão se divertir, fazer amigos, ter a chance de amar e ser amados por outras pessoas que não são familiares nos sentimos péssimos quando eles abrem o choro e se recusam a ficar nesse novo espaço que escolhemos com tanto zelo.

As outras mães, das crianças que no primeiro dia deram tchauzinho com suas pequenas mãos e um sorriso estampado no rosto, dizem que a facilidade e rapidez da adaptação também não foi tranquila de lidar porque quando a criança pula de braços abertos no colo de outra de alguma forma as faz sentir não tão indispensáveis assim e isso também dói. Tudo que tenho a dizer então é que ser mãe não é moleza e o pior é querer acreditar e fazer valer a bela frase que diz que “A boa mãe é aquela que vai se tornando desnecessária com o passar do tempo”.

Nosso instinto materno protetor e a vontade de colocar nosso rebento debaixo de nossa asa sob nossos cuidados e protegidos de todo e qualquer sofrimento para sempre é um desejo não só egoísta como uma tarefa interna quixotesca. Dar a luz ou a vida é antes de qualquer coisa colocar nossos filhos no mundo e irmos aos poucos nos tornando desnecessárias para que eles próprios consigam seguir confiantes seu caminho com a segurança necessária de que estaremos ali os apoiando no que for preciso e na escolha que fizerem. Isso é ser uma mãe suficientemente boa como diria Winnicott. Mas, não é fácil tornar-se desnecessária, confesso.

A cada fase da vida de nossos filhos precisamos nos separar e nos diferenciar para ir aos poucos cortando o famoso cordão umbilical. A primeira separação é, sem dúvida, o nascimento que apesar de tão desejado traz a mãe um sentimento de vazio, pois aquela sensação de completude e a experiência de estar sempre acompanhada pela barriga com o bebê mexendo lá dentro acabam e uma nova fase de adaptação e provação se inicia. O mesmo acontece com o desmame por mais que tenhamos preparado tudo para o processo acontecer da melhor forma possível. O que devemos então ter sempre em mente é que cada um tem um tempo único e uma forma singular de se adaptar as novidades e que a cada nova fase uma perda e um ganho acontecem naturalmente para pais e filhos. Idas e vindas também fazem parte do processo.

Com a adaptação escolar não tem como ser diferente. Uns chegam de mãos dadas com os pais e logo dizem adeus e seguem confiantes no novo espaço. Outros experimentam aquelas relações em doses homeopáticas e no silêncio e um dia decidem ficar seguros ali sem a presença dos pais e há ainda os que choram e gritam para se adaptar mesmo demonstrando no olhar e no sorriso que ali querem ficar. Cada caso é um caso e no final tod@s as crianças acabam se adaptando e ganhando mais do que perdendo com a experiência de escolarização. E para nós pais o que tenho é dizer é: segura o choro porque a hora do tchau vai chegar para tod@s nós mais cedo ou mais tarde nos trazendo não somente mais horas matutinas ou vespertinas livres como também a possibilidade de nos reencontramos com nós mesmos. Bem vind@s a vida escolar!