Coelhinho da Páscoa o que trazes para mim?

 

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Sobre chocolates, brindes, publicidade e crianças…

Todo ano é a mesma coisa… Túneis de ovos de chocolate, coloridos e repletos de brindes, enchendo os supermercados e os olhos da criançada nos anunciam que a Páscoa se aproxima. São tantos brindes e dos mais variados tipos que vão desde bonecos licenciados até mini rádios e gloss labial recheando os ovos de chocolate que fica difícil, ou quase impossível para os pais sozinhos, driblar os apelos e pedidos das crianças nessa época, além de tentar explicar o porquê não devemos comer tanto chocolate ou simplesmente não escolher um ovo somente para ganhar um brinde.

E mais difícil ainda talvez seja resgatar o principal sentido dessa data comemorativa e religiosa que tem seu significado, na religião católica e judaica, atrelado ao sentido de renovação e transformação.  Sendo, inclusive, por isso que nosso amigo de olhos vermelhos e pelos branquinhos nos oferece ovos nessa data, pois esses significam início de uma nova vida, recomeço. Sentidos bem distantes do que a mercantilização da data nos oferece nos dias de hoje que fala somente em excesso de consumo de gordura, de açúcar e de brindes.

Sem dúvida não conseguimos localizar no tempo ou espaço onde e quando foi que perdemos o sentido dessa e de tantas outras comemorações. Mas, de toda forma a demasiada mercantilização desta festa contribui, certamente, para outros problemas de nossa sociedade como veremos adiante e para que outros sentidos se percam fazendo-se necessária e urgente uma reflexão sobre quais valores e sentidos estamos passando à nossas crianças ao se comemorar a Páscoa dessa forma.

Agora tenho certeza que vocês devem estar se perguntando onde está o grande problema em presentear as crianças, ocasionalmente, com deliciosos ovos de chocolate. E para responder a complexa questão vou além dos aspectos filosóficos e éticos a começar pelo simples fato de que, embora ovos de páscoa sejam considerados produtos “sazonais”, ou seja, consumidos em uma época muito específica do ano, o incentivo ao seu consumo excessivo por crianças, a partir do estímulo para que colecionem os brinquedos, em um país como o nosso que apresenta índices cada vez mais alarmantes de obesidade infantil é, sem dúvida, preocupante. Segundo dados da Pesquisa de Orçamento Familiar 2008-2009 conduzida pelo IBGE e lançada em dezembro de 2010, 33,5% da população brasileira entre 5 e 9 anos já está com excesso de peso e 14,3% obesa. Esse dado já bastaria. Ou outro ainda mais alarmante que diz ser essa a primeira vez na história, quando há um número crescente de crianças com problemas de adultos – de coração, de respiração e diabetes do tipo 2 –, todos relacionados à obesidade.

Mas, além disso, vale-nos lembrar das questões legais envolvidas na discussão. Direcionar publicidade às crianças, de qualquer espécie, mas principalmente de alimentos não saudáveis é uma prática ilegal na medida em que se constitui como publicidade abusiva nos termos do artigo 37 parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) apoiado pela nova resolução aprovada nesse mês pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) ,além de ofender a proteção integral de que são titulares todas as crianças segundo art 227 de nossa Constituição Federal.

E não se pode esquecer do fato de que a venda necessária e conjugada de produtos, sem que seja oferecido ao consumidor opção de escolha, é também proibido pelo ordenamento brasileiro, pois se configura o que chamamos de “venda casada”. E não é exatamente isso o que ocorre com os ovos de páscoa com brinquedos? A verdadeira razão da compra dos ovos ou do pedido aos pais para que comprem ovos com brinquedos está justamente no desejo de ter os brinquedos que são ofertados dentro dos ovos! Ou seja, é impossível obter os brinquedos sem ter os ovos.

Outra questão importante de ser colocada que foi apontada por um levantamento do IDEC de 2010 (Instituto de Desefa do Consumidor) é que o uso de personagens famosos tende a encarecer o ovo o que faz com que pais gastem mais somente para agradar e não frustrar os desejos dos filhos e isso, num país desigual como o nosso, causa problemas de orçamento uma vez que os ovos com brindes são anunciados a crianças de todas as classes sociais incluindo aquelas sem poder aquisitivo para a compra dos ovos com brindes. E para fechar vale destacar também que esse mesmo levantamento do Idec detectou que na rotulagem das embalagens dos ovos constam apenas as informações nutricionais obrigatórias de referência para um adulto (2000 kcal). Ou seja, em nenhum dos produtos pesquisados havia dados sobre o consumo infantil o que torna ainda mais difícil aos pais saber quais quantidades adequadas de consumo daquele alimento por crianças. Talvez agora já tenhamos respostas suficientes de onde está o problema de se ofertar ovos de chocolate com brindes as crianças na Páscoa.

Mas, essas questões não tem passado despercebidas por organizações da sociedade civil. Um exemplo disso é quepreocupados com esta situação, que vem se agravando a cada ano, o Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana denunciou desde 2008 ao Ministério Público de São Paulo, esses exemplos de práticas abusivas de quatro grandes empresas produtoras e comercializadoras de ovos de páscoa: Nestlé, Top Cau, Kraft Foods e Garoto chamando atenção da sociedade para que novos abusos deixassem de existir. Além desse exemplo temos outras lutas sendo travadas no país em diferentes esferas. Nas famílias. Nas escolas. Nos poderes do Estado. Um bom exemplo que não pode faltar foi o lançamento do documentário “Muito Além do Peso” em 2012 da cineasta Estela Renner que trouxe em forma de denúncia imagens chocantes da obesidade infantil no país com uma crítica contundente a indústria alimentícia e a publicidade de alimentos não saudáveis dirigida as crianças.

Mas, apesar das grandes lutas derrotas também vem se se acumulando e merecem destaque. No final de janeiro de 2013, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), vetou a lei que restringia a publicidade de produtos alimentícios para crianças. Pelo texto, aprovado pela Assembleia Legislativa em dezembro do ano anterior, se tornaria proibido veicular anúncios de alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio, entre as 6h e as 21h, no rádio e na TV. Também seria vetado o uso de celebridades ou personagens infantis na venda de alimentos, assim como o uso de brindes promocionais, como os vendidos com sanduíches em redes de fast food  ou em ovos de Páscoa. E em fevereiro do mesmo ano, infelizmente outra derrota: a suspensão da Resolução 24 (RDC 24), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que obrigava os fabricantes a colocar o alerta nos produtos de que o consumo em excesso poderia causar problemas de saúde como diabetes, hipertensão e obesidade. Esses exemplos nos servem para se ter uma ideia do tamanho do problema da força do lobby da indústria alimentícia assim como da publicidade de alimentos dirigida as crianças. Por esses e outro motivos é que a Páscoa poderia e deveria ser uma data de fato para celebrar renovação e transformação.

Sabe-se que a Páscoa é bastante celebrada ao redor do mundo todo, só que nem todas as pessoas festejam a data da mesma maneira como nós – com ovos de chocolate recheados de brindes de personagens famosos licenciados que convidam nossas crianças ao consumo em excesso. Que tal então renovar suas ideias e pedidos para essa Páscoa e comemorar a data de uma forma diferente com menos brindes e quem sabe mais brincadeiras? Boas ideias no repertório do brincar existem para se experimentar e podem ir desde corrida do ovo, coelhinho na toca, pintura de casca da ovos e muito mais que nossa imaginação ditar. Fica a dica! Porém, o mais importante talvez seja exercer nossa cidadania e cobrar das empresas que façam valer a nova resolução do Conanda exposta acima que entende abusiva e, portanto ilegal o direcionamento de publicidade ao público menor de 12 anos.

 

 

 

 

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